O agravamento na qualidade do Ensino público, e também a falta de acesso aos conteúdos que são requeridos pelos processos seletivos em escala nacional. O quadro é agravado ao considerarmos a situação de pobreza apresentada por grande parte das famílias do nosso país, que constituem a maioria dos estudantes das escolas estaduais e municipais da rede pública.

Assim, se o acesso ao ensino técnico e superior públicos apresentam-se como uma verdadeira utopia para muitos, tais condições acabam por prejudicar justamente as classes sociais mais pobres e com menores condições de preparo aos processos seletivos. Diante dessas condições, estamos muito longe do que Santos (2004) propõe no sentido de tornar a Universidade do século XXI democrática e emancipatória. Assim, inspirados em Paulo Freire e em sua Pedagogia da Esperança (1992), estamos convencidos da necessidade da esperança e do sonho para a existência humana como aspecto elementar da atividade cidadã enquanto educadores: "uma das tarefas do educador ou educadora é desvelar as possibilidades para a esperança, não importam os obstáculos (...) sem poder negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a explicam, não podemos prescindir da esperança na luta por um mundo melhor".

É importante frisar que quando se menciona a esperança, não se trata apenas da possibilidade de melhoria das condições de acesso ao Ensino Superior. Este aspecto é importante e certamente o levamos em consideração, mas nos referimos a atitudes cidadãs como melhorias para si e para os outros, na realização de ações e de estudos que nos tornem pessoas melhores, para que transformemos a desesperança em possibilidades de esperança. Nesse sentido, Freire (1992) coloca que o educador deve instigar os seus alunos a defender aquilo que lhes parece certo: "Que educador seria eu se não me sentisse movido por forte impulso que me faz buscar, sem mentir, argumentos convincentes na defesa dos sonhos porque luto? Na defesa da razão de ser da esperança com que atuo como educador".

Na perspectiva pedagógica freireana, o conhecimento está a serviço da transformação da realidade social e da ampliação do acesso dos bens produzidos pela e para a sociedade. Assim, pautamo-nos pela mobilização cidadã dos acadêmicos junto às comunidades e também na auto organização dos cursos preparatórios populares como espaços de realização destas esperanças. Ao assumirmos estas utopias, acreditamos na coletividade engajada em prol da construção de um mundo com justiça social e maior equidade no acesso à educação pública e de qualidade em todos os níveis.

Sendo assim, os cursos preparatórios buscam desenvolver suas atividades através da concepção de que a vida é feita de escolhas refletidas no âmbito da coletividade, onde cada um tem sua responsabilidade e autonomia na construção deste futuro comum. Ou seja, cada um deve "produzir a sua obra" nesta totalidade que são as relações sociais em determinados contextos sociais e naturais (HESS, 2005; MACHADO, 2007). Concordamos com Freire de que o acesso à educação deve possibilitar saberes necessários à construção do futuro melhor que almejamos. Vivemos numa realidade em constante transformação e, ao percebermos o mundo que nos cerca, podemos nele agir de modo consciente e refletido.

Dessa forma, Freitas (2002) concorda com as características da educação libertadora apregoada por Freire, na qual há destaque para a dimensão política, enfatizando a história enquanto possibilidade mesmo num contexto desfavorável. Não acreditamos no fim das utopias, como foi apregoado nos anos 1990, e início deste século pelos mesmos que, agora correm ao Estado/governo na busca de recursos para seus empreendimentos e negócios. Pelo contrário, acreditamos e lutamos, pela melhoria das condições de vida e de acesso aos processos de ensino-aprendizagem como parte de uma utopia maior à qual tais possibilidades estão articuladas e se alimentam.

Pensarmos num "outro mundo possível", como afirmam os Fóruns Sociais Mundiais e Fóruns Mundiais de Educação (MACHADO, 2005; SANTOS, 2005). Enfim, não acreditamos no fim das ideologias, das classes sociais, enfim, de que a exclusão, a exploração e a miséria acabaram, pois o público alvo de nossas atividades - deste projeto - evidencia esta falácia a cada dia. Além disso, acreditamos que o silêncio de nossa sociedade sobre estas condições de exclusão (social e educacional) é nutrido por uma educação bancária que estimula e reforça o distanciamento entre os educadores e os educandos.

Por isso, procuramos sempre nos colocar como parceiros dos estudantes em suas dúvidas e reflexões e a tê-los como indivíduos pensantes, e inspirados em Freire. "O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo." (FREIRE, 1987, p. 67).

Nessa perspectiva, não visamos apenas transmitir os conhecimentos e/ou conteúdos do vestibular junto aos educandos. Ao trabalhar os mesmos, e contribuir para sua qualificação e preparação aos processos seletivos, buscamos ainda produzir cidadania, participação crítica e envolvimento de todos/das na melhoria das condições materiais de estudo. Também entendemos que os conhecimentos trabalhados e construídos nestes processos, não estão dissociados da realidade e das ações de cada um na sua efetivação. Assim, esperamos contribuir para que os educandos engajados sejam agentes e cidadãos de suas vidas, além de obterem a tão esperada aprovação nos processos seletivos em que estão envolvidos e/ou estão se preparando.

Enfim, buscamos a nossa própria transformação em cidadãos mais críticos, seja enquanto coordenadores deste projeto e dos cursos vinculados, como educadores, mas também, no desenvolvimento das ações e das atividades educativas ou extraclasse, envolvendo nossos educandos e comunidades. Isto porque, os processos de aprendizagem não podem ser concebidos independentemente das interações educador-educando. A sala de aula é o lugar de uma ação social em que, de forma intencional e planejada, as novas gerações recebem o aprendizado relativo à tradição cultural, à inserção na sociedade e a formação de sua personalidade.

A ampliação do acesso à educação básica no Brasil na última década, principalmente em decorrência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), canalizou a redistribuição dos recursos financeiros dos estados e municípios para o Ensino Fundamental. Por um lado, tal mudança levou a quase universalização do ensino fundamental em nosso país (em torno de 95%). As consequências são o aumento do número de alunos do Ensino Médio, e em seguida no Ensino Superior. Por outro, o acesso ao Ensino Superior no Brasil restringe-se apenas a 10% dos concluintes do Ensino Médio, com diferenciações por região, classe social e/ou possibilidades de condições acadêmico-educativas na preparação aos processos seletivo-vestibulares. As políticas federais dos últimos anos vêm ampliando o número de vagas nos níveis técnicos e superior criação de Centros Técnicos, Faculdades, Universidades, federalização de instituições privadas e criação de cursos presenciais e semipresenciais.

Contudo, apesar destas iniciativas governamentais e institucionais, o acesso ainda exige processos de seleção mediante vestibular. Nestes casos, os jovens que se preparam em cursos um meio de notável distância socioeconômica entre os indivíduos e também uma desigualdade na ocupação de seu espaço social (MARTINS, 2006). Em pesquisas que orientamos na cidade, evidenciamos que dentro das próprias redes existe uma heterogeneidade nas condições qualitativas das escolas públicas localizadas nos bairros centrais em detrimento daquelas localizados na periferia ou que atendem setores sociais mais fragilizados (VALÉRIO, GODOY, MACHADO,2007).

Portanto, torna- se imprescindível possibilitar meios para que as pessoas mais pobres e excluídas do acesso à educação possam preparar-se para os processos seletivos. Foi nesse sentido que, em 2000, na cidade do Rio Grande, acadêmicos da FURG fundaram um Pré-universitário popular sob o nome de Utopia, que, reestruturado em 2006, passa designar se como Grupo de Estudos Paidéia. No ano de 2004, inicia-se o Projeto Acreditar - O Sol Nasce Para Todos, no bairro Parque Marinha, o qual promove a realização de atividades acadêmico-educativas, preparando aos ensinos técnico e superior.

Em 2007, cria-se o Curso Preparatório Fênix e outros cursos nos anos posteriores, sendo eles o pré-universitário popular da Quinta, o pré-universitário popular Maxximus e o pré-Vestibular Venceremos/Silva Gama. Sendo assim, no sentido de contribuir para que os jovens e adultos dos segmentos populares das comunidades urbanas periféricas, e com baixa renda, tenham melhores condições de acesso - diríamos de inclusão - é que se desenvolve o Projeto de Auxílio ao Ingresso nos Ensinos Técnico e Superior (PAIETS).

Ao longo dos anos (2007 a 2022) o programa teve considerável ampliação, sendo contemplado em editais PROEXT 06/2007, tendo disponibilizados recursos que potencializaram tais experiências em sua organização, na formação continuada e capacitação permanente dos coordenadores e educadores, assim como a implementação de novas ações e oportunidades educativas aos à comunidade.

Vale ressaltar que, ao longo do período, foi possível a parceria com o Projeto Educação para Pescadores, nas ilhas da Torotoma e Marinheiros, a criação do PAIETS indígena e quilombola, os quais também foram contemplados pelos editais PROEXT. Além da manutenção da estrutura material (secretaria, apoio didático educativo, etc.), que melhoraram a infraestrutura e as condições das atividades educativas. Essas são experiências que não existem mais, mas que contribuíram de forma significativa para o fortalecimento do programa.